sexta-feira, novembro 24, 2006

realidade

correndo pela imensidão desta rua
descubro prazeres nunca vistos
descubro os sons que ela tem
o prazer de beber agua da chuva
a vontade de ir mais e mais alem
o sentimento de liberdade que nos invade
a sensação de infinito
até que
como tudo na vida
me apercebo
isto não é a realidade
isto é só um sonho
um triste sonho
que acaba assim que a realidade vem
a realidade crua
fria
dolorosa
tal e qual o tempo lá fora

2 comentários:

Anónimo disse...

uau.

Tu escreves. Eu finjo que sei alguma coisa de escrita...
Sem mais assunto, digo-te para continuares. Entrego-te a minha caneta e talvez desista...

Beijos****
micas

Miguel João Ferreira disse...

Imagina que a realidade é um velho estudando avidamente o horizonte. Veste uns trapos rasgados, tem um ar macambúzio, o olhar vago cravado no além. Todos passam por ele, mas ele não vê ninguém. Os transeuntes vão soltando sarcasmos com risinhos desdenhosos e seguros:

«Olha aquele! O doido! Lá anda nos seus delírios!»

E o velho não se move, nem responde. Mas há depois aqueles que diariamente fazem aquele caminho. E estranham achar sempre o velho naquela posição e expressão exacta, como se fosse um pedaço da paisagem. Ainda assim vão passando, e vão deixando as suas piadas fáceis. Mas o quotidiano é imperdoável nas suas repetições e força-os ao mesmo caminho, uma vez após outra. E quando passam já não falam, e depois já nem riem, e finalmente acabam tendo medo. Porque sempre vêem o velho como se fosse uma estátua, que já se confunde com o cais onde estava e com o caminho cruzado e com o mar adiante e a costa ao fundo. E então um dia o terror é total: o velho não é já uma forma, mas um espelho cruel e imaterial. É uma sombra larga que absorve tudo e que reflecte não só o homem orgulhoso e inconsciente que por ele se pavoneia, mas também todos os seus gestos, os seus desejos, os seus medos, as suas frases banais. Naquela sombra que antes tinha forma, e a que tantos homens foram indiferentes, traduzia-se afinal um rol de anos, uma existência inteira que, antes de mais, e ao contrário do que se supunha, era frágil, vazia e infeliz, na busca inconsequente de um sentido. E, apesar de ter vivido tanto, esse viandante sem consiência de o ser nem sequer o notara...

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«Que estranha forma de vida!»